O ativismo, com seus protestos, manifestações e reivindicações, foi fundamental para que profundas mudanças acontecessem na sociedade ao longo da história. O sistema político em que estamos, e até mesmo a roupa que usamos são frutos de conquistas ativistas. Diversas revoluções organizadas aconteceram no Brasil com motivações sociais e políticas antes mesmo do país tornar-se uma república. Só para citar alguns exemplos, em 1789 houve a Inconfidência Mineira (que contou com Tiradentes como ilustre representante), que reivindicava entre outras coisas a diminuição dos impostos; movimentos emancipacionistas também marcaram o período colonial, almejando a independência de Portugal, como a Revolução Pernambucana em 1817. Já no século XX, a Marcha da Família em 1964 levou um número extraordinário de pessoas para as ruas, cerca de um milhão, contando com a participação de diversificados setores da sociedade, como a Igreja, empresários e políticos, todos contra a “ameaça comunista”.
Grandes movimentos como este não se restringiram ao Brasil, obviamente. Alguns dos mais famosos a nível mundial são a Marcha sobre Washington, nos EUA, na qual Nelson Mandela proferiu sua famosa frase “I have a dream”, sonhando com a igualdade racial no seu país; protestos no muro de Berlim, que resultaram na derrubada deste, e também os protestos femininos nos anos 60 e 70 ao redor do mundo, provendo uma maior igualdade entre os gêneros.
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Marcha sobre Washington, em 1963
Este preâmbulo mostra a força que movimentos sociais e políticos usufruíam ao longo dos séculos. Não obstante, existe um divisor de águas na história dos movimentos sociais e suas formas organizacionais: a eclosão da Internet. Por tratar-se de uma mudança tão profunda e marcante, criou-se inclusive um novo termo para tal: Ciberativismo. Apenas para reiterar, o Ciberativismo é uma ramificação do próprio ativismo, como um deslocamento espacial, representa um ganho de mais um esfera pública para ampliar seus alcances e que trouxe muitas inovações e novas possibilidades de luta.
A internet e as novas mídias digitais possibilitaram diversos ganhos para os movimentos sociais, políticos e ambientais, entre outros. Por se tratar de um espaço comunicacional democrático e horizontal, e construído de forma colaborativa, permite maior difusão de informação do que os tradicionais veículos de massa. Claro que estes ainda são fundamentais para a difusão de informação, e suas páginas onlines são excelentes canais de divulgação, porém o que acontece é que atualmente todos com acesso à Internet podem criar e divulgar seus próprios conteúdos, ou seja, existe uma maior facilidade para que pequenas causas, ou as que não interessem à grande imprensa, entrem em pauta. Além disso, muitas vantagens são evidentes, como a maior rapidez na transmissão de informações, também implicando em menores custos, a difusão a nível global, já que há um rompimento de barreiras espaciais, que beneficia a busca e aderência de simpatizantes e novos adeptos às mais diversas e distantes causas, etc.
É interessante poder ver e até mesmo conhecer as mais diversas e longínquas causas e grupos organizados na Internet, simpatizar-se e poder colaborar com elas. As minorias, que não encontravam outro suporte, agora podem reunir-se e fortalecer-se. Algumas páginas modestas no Facebook, como a da ATEIA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), com 6 mil seguidores, agora pode divulgar seus projetos e reinvindicações para os interessados, assim como a página da Associaçao Baiana dos Protetores de Animais, que inclusive recebe doações por meia da web.
Corroborando com o que foi dito acima, Sérgio Amadeu, conhecido defensor do Software Livre e da inclusão digital, faz uma definição sobre o termo Ciberativsmo:
Por ciberativismo podemos denominar um conjunto de práticas em defesa de causas
políticas, socioambientais, sociotecnológicas e culturais, realizadas na redes cibernéticas , principalmente na Internet. O ciberativismo se confunde com a própria expansão da rede mundial de computadores. Ele influenciou decisivamente grande parte da dinâmica e das definições sobre os principais protocolos de comunicação utilizados na conformação da Internet. É possível posicionar os diversos grupos e atividades do ciberativismo situados mais à esquerda ou mais à direita.
Muitos nomes derivados do Cyberativismo já podem ser vistos: Hacktivismo (ganhou muita força com o advento do movimento Anonymous em 2010, representa o ato de invadir e hackear computadores alheios com uma justificativa social e política), Slacktivismo (indica pouco envolvimento, normalmente assinatura de petições e divulgação das páginas e textos), Ativismo de Hashtag (uso de hashtags para propagar causas/informações), todos estes no ambiente digital. De acordo com isto, o autor Sandor Vegh afirmou que o Ciberativismo não se dá de uma única maneira, e que existem diversas formas nas quais ele pode manifestar-se, inclusive desde petições online, criação de sites denúncia sobre uma determinada causa, organização e mobilização de protestos e atos que aconteçam fora da rede, flashmobs, hackerativismo e o uso de games com uma função política e social.
Apesar de todos estas considerações, há autores que sustentam um contraponto em relação à importância da Internet para os movimentos sociais atuais. O crítico da Internet oriundo da Bielorrússia, Evgeny Morozov, autor do livro “The Net Delusion”, defende que os governos conhecem o potencial da Internet e que aprenderam a usá-lo a seu favor, como promoção pessoal e propaganda política. Ou seja, governos como da China e do Irã não precisam mais censurar a Internet, agora é muito mais favorável ter um exército de pessoas escrevendo a seu favor, e esses dois países estão fazendo altos investimentos nesta área. Os próprios governos usam a Internet para propagar boatos e enfraquecer os movimentos de resistência. Morozov também escreve que esse outro lado da internet não é divulgado, quando “quando a rede é utilizada para fortalecer a propaganda, censurar e vigiar a população em governos autoritários”. Para ele, ao se enxergar a Internet como a única solução política para os problemas que assolam o mundo, estamos dando mais condição para que ela seja censurada nos países menos democráticos. Afinal de contas, ela não é simplesmente uma ferramenta política e politizante, o acesso à rede não implica diretamente em seres mais politizados. Ele também diz que o ativismo online resulta em mais barulho do que em resultados, e que normalmente não possue uma boa estruturação de ideia e de ações, apenas de mobilização de pessoas. São movimentos com baixa taxa de comprometimento e uma alta taxa de participantes. . Para ele também, muitas pessoas parecem estar engajadas nas redes para nutrir uma imagem de envolvimento social, quando na verdade só querem que seus amigos nas redes sociais o vejam como tal.
Para uma visão mais crítica do assunto, recomendamos a leitura do texto do autor na Folha de São Paulo
Mindfulness: Uma tendência que requer atençao
O autor não ignora a importância que a Internet pode ter politicamente, ele enxerga todas as suas potencialidades, mas ele reitera o quanto o seu mau uso pode tornar não apenas ineficazes as reinvindicações na rede, como pode fazê-la tornar-se um algoz, ou seja, atrapalhando mais do que ajudando e, assim, os ciberativistas deveriam repensar a forma como se mobilizam, e de fato, tentar mobilizar-se.